domingo, 26 de maio de 2013

Lápis lazúli

A noite estava fria em Nurghadan e uma tempestade de areia ameaçava vim dos confins do deserto!
Uma muralha enorme com destino certo.
Estendia-se até o abismo do mundo.

Quando chegasse a vila todo povoado seria varrido.
Se não fosse por motivo abençoado, todos teriam corrido.

Na barraca central os homens mais se olhavam do que conversavam.
O vento ululante, na noite gritava.
Soprava constante, a morte assoviava, num frio cortante.

Enquanto ao lado com medo nascia!
Um bebê... Não! Dois, espere são três! A parteira dizia!
E correram qual criança, todos foram dar boas vindas a esta nova esperança.
Na terra que seria castigada.
Um singelo milagre pairava.
Fínidas, a mãe, com ternura, seus filhos olhava!

- Olha que belo trio de criaturinhas pintadas de rosa 
- Disse um amigo, esbarrando na parteira. 
- Sortudo és tu meu velho Kindar! Venham todos ouvir as boas novas!
Veremos se és tão bom escultor e crie um seio para ajudar a sua mulher amamentar!

Todos riram e um fogo, em brasa nasceu.
Os que estavam em suas casas, com medo vieram.
O tenebroso vento anunciou seu fim e cedeu.
Todos gritavam felizes e dançaram!
E naquela noite beberam até o firmamento.
Sabendo que ao luar não teriam tormento.
Cantaram a lenda das três pequenas crianças, que o enorme vento, assustaram!

Kindar acordou ao lado de seus filhos.
Tamanha era a sua euforia! Logo três?
Uma façanha, como ninguém jamais o fez!
Tão frágeis e pequeninos.

A muito desejava alguém para sua arte ensinar.
Era o maior artista do reino de Nurghadan.
Muitos com ele aprenderam a esculpir e pintar.
Sua obra era desejava por nobres.
Exposto em templos e no real castelo.
Sempre humilde, Kindar tinha apreço pelos mais pobres.
E ensinava os que não podiam paga-lo.

E agora três filhos! Sua mente, um puro devaneio, acordou.
Mas por horas, como vertigem, apenas vagou.
Ficou a observar seus filhos que tanto queria amar e desejava ensinar.

Longos dias se passaram.
Noites rápidas, ao sabor do vento.
Com eles anos e seus filhos cresceram.
Poucas luas marcaram o tempo.
Refrescando as areias que aos homens, tanto castigavam.

E sua filha, na irá dos Deuses também fora punida.
Pobra Madonda do deserto
Tal flor de lótus que nasce faltando uma pétala
Logo ao ser concebida, herdou uma perna machucada.
Sophy, a menina. Como Tholus, não era forte.
O irmão podia livremente andar. Ela não teve a mesma sorte.

Nem sorria o tempo todo e estava a brincar como Farchol
O alegre e sorridente irmão mais novo.
Tinha uma voz doce, feito rouxinol.
A ele, todos tinham admiração. O mais velho que era um estorvo.
Sempre soturno e quieto
Olhava estranho para a criança.
Não gostava de tê-la por perto.
Dizia que sua perna nunca teria esperança.
Kindar, dela nunca desistiu.
Foram mandados mensageiros
Todos o conheciam e queriam ajudar.
Percorreram o vasto deserto a procura de curandeiros.
Através de reinos distantes viajaram.
Em vão, sobre tal enfermidade, nada encontraram.
- Esta casa esta doente, ate mesmo pequenos monstros são tratados como gente! - Resmungou Tholus com inveja.

- Nunca diga tal coisa irmão! Temos de viajar, mas ao voltar não quero ver nossa irmã na cama deitada, qual pétala que no outono vai ao chão!

Cinco verões se passaram.
Tão pouco de tempo existiu.
Nem mesmo pegadas deixaram.
Imutável era aquele deserto.
O povo dizia que estava protegido isto era certo.
Mas por qual obra divina não sabemos.
Se tantas tempestades já sofremos.
Como explicar tal calmaria?
Milagre? Ou obra de bruxaria?

Retornaram adultos! Farchol não queria mais viajar
Queria pintar e esculpir, mas jamais de sua família se separar.
Percebeu que perto de casa, muito tinha a aprender.
Da janela vinha o vento te refrescar e no quintal o Sol para te aquecer.
Lia sobre pessoas assombradas por monstros surreais.
Também sonhava que as cores de Van Gogh pudessem ser reais!

Já o irmão mais velho, Tholus, não via a hora de voltar aos estudos.
Treinaria excessivamente!
Abraçou Michelangelo! Suas obras fascinavam sua mente.
Pintava, com uma anatomia vitruviana, eram corpos perfeitos.
Leu sobre guerras, sobre homens corajosos e seus feitos.
A Delacroix encaminhou, por tal perjuria, uma ofensa,
Não acreditar na perfeição era uma descrença.

Então um dia, os filhos voltaram,
Kindar orgulhoso olhava os com admiração!
Os filhos gêmeos, poucos diriam tal barbaridade,
Em nada pareciam, só tinham a mesma idade,
Já eram homens, o pai de barba branca
Um cajado que o próprio fez, um ancião.
Fínidas a mulher não parava de chorar,
Pensava que tudo poderia voltar a ser como antes.
A marca da velhice no rosto e lágrimas a enxugar,
Nas pernas a cicatriz dos anos,
Dor nenhuma lhe tiraria o afeto que tinha por seus meninos.

Farchol esperando ver uma mulher formada
Tamanha era a saudade da pequena irmã
Só observou que na cama, alguém estava deitada,
Ouvindo seu nome chamar
Correu a seu encontro!
Uma criança! Não era a irmã que esperava encontrar.
Bela, sim era e sempre seria, mas tão pequena! E com pernas de que nada servia.
Sua mão se mostrava talentosa,
Herança do pai desenhava com tal forma graciosa!
Na parede a ostentar, Flores de Lótus que ela e o pai vieram a pintar.

O filho mais velho pouco ficou, nem mais uma noite esperou.
Realizaria o sonho de seu pai, seria o mais perfeito escultor que já existiu!
A estadia foi breve, não tinha tempo a perder, pouco para falar.
Como nuvens passageiras, chegou e logo partiu.

Pensaram que nunca mais veriam o irmão,
Pois em um mundo mágico, só há relatos trágicos.
Daqueles que buscam e morrem atrás de perfeição
Mas cegos e loucos, vagam aqueles que têm ambição.
Havendo tantos, não são poucos, se não ao próximo.
Para si próprio encontram a perdição.

Em casa, reinava paz e harmonia.
Dentro até mesmo a garota doente sorria
Enquanto os presságios de tempestades destruidoras desapareciam.

No vilarejo nunca prosperaram tanto, época feliz para um povo castigado que sofria.
Mas como o povo gosta de dizer.
Muralhas de pedras sempre desabavam
E até a Lua, na mais escura e agourenta das noites, irá se esconder.
Não se sabe se é obra divina, ou apenas bruxaria, mas algo protege a vila e fere a pobre menina.

A solidão aperta até mesmo o coração do homem mais valente.
Sem notícias de casa, de repente...
Bate uma saudade, do que não viveu.
E Tholus já com boa idade, resolve voltar.
Por toda a noite o deserto frio e infinito percorreu
Mas...
Logo na entrada se esbraveja! Uma estátua sua visão alveja
Pensou que ver tal monstruosidade não pudesse ser capaz
Metade águia e metade mulher, na cabeça uma flor de lótus vermelha.
Á pinturas egípcias esta grotesca pincelada tosca não se assemelha!

- Meu filho que bom que voltou! Por que há tanto tempo nenhuma carta mandou?
- Então está é a estatua que irão ver todos os viajantes que a esta vila vierem ter?
- Todos ajudaram, tentei te encontrar, mandei cartas, mas elas retornaram! Foi o ultimo... - Demorou em dizer estas palavras - O ultimo trabalho de sua irmã, com um corpo frágil adoeceu, e sua mãe... Ontem à tarde... Ela... Morreu! Por favor, fique com a gente! Uma tempestade se aproxima o vento esta diferente!

- Jamais! Com tal afronta não poderei aqui viver! Nunca buscaria abrigo em toca de chacais! Posso sobreviver, vagarei pelo deserto, percorrerei por um caminho incerto, pois aqui não volto mais.

E no deserto adentrou, ajoelhado aos prantos, seu pai, na vila ficou.
Sabia que não veria mais o filho com vida.
Justo agora que com a falta de sua mulher.
Sua casa estava tão sofrida.
Uma filha doente, o outro desanimado.
Estaria tudo assim, arruinado?

Numa caverna se refugiou, fatigado e com a Lua ao alto, para o lugar nem olhou, afastando a claridade que o cegava, seus olhos abriram.
Não qual fogo do céu. A morada de Osíris! Era o azul das pedras que reluziam.
O lindo Lápis-lazúli. Em tal vislumbre se sentiu imortal!
Finalmente teria a sua chance de mostrar sua perfeição!
Destruiria aquela estatua bestial e criaria a mais linda joia que já existiu!
Um marco para a arte, a máxima criação.
A bela e esquecida, uma flor de lótus azul anil.
Um adorno para o cabelo da mais linda mulher.

Dentro da funda caverna, não via o tempo passar,
De imediato começou na pedra, trabalhar.
Tanto que por um longo tempo só viu três vezes um pássaro passar.
Na primeira, quando dera voo de seu ninho no alto da tamareira.
Na segunda, buscava abrigo para o filho que num ovo a vida fecunda.
Terceira e ultima já inverno e doente, sabia que não teria próxima.
Por que na quarta, vestiria o preto terno e dormiria eternamente.

Exilado nesta concha que era banhada por uma areia misteriosa e atemporal.
Sua obra terminou, qual louco com um sorriso senil admirou.
A flor azul brilhante! Antes de gritar estupefato que era perfeito
Percebeu com espanto que olhando direito
Podendo confiar em seus olhos, anulando qualquer miragem.
Nela algo refletia uma sombra fosca criando uma real imagem
Sua mente agora derretia, o pior de seus pesadelos, seus monstros em devaneios.
Era sua irmã que em cerúleo reluzia!
Uma maldição! Sua mão ficou fraca e dela a flor caia.
Uma pétala de cor celeste, Ao lado, morta jazia! Inerte... Sua mente se desfazia.

Gritou feito mandrágora! Quando sua consciência recobrou,
Correu! Sentia que a vida se esvaia... Chorou
Mas com a tempestade a seu encalço não pararia!
Percebeu que não poderia ser perfeito, enquanto na terra, sua irmã vivia.
Olhava com irá e desespero para sua escultura, enquanto, a esta altura.
Todas suas pegadas haviam sido apagadas.
Tentou lembrar-se de tudo que na vida havia feito
Não se lembrou de imediato, seu oficio era ser perfeito.
Nunca tinha podido exercer sua profissão.
Por ser uma metade, enquanto houvesse irmã e irmão.

Tholus parte, passos leves e pesados.
Marcha para a batalha, que fosse a última.
Alguém precisava morrer, ou todos estariam arruinados.
E ele não viajaria para ser vítima.

O deserto sentia a vibração
Soprava forte! O forte homem ia contra o vento.
Podia se ouvir vozes, de terror, danação.
Todos correram, livraram-se os que estavam por perto.

Ao longe avistaram as pessoas que em suas casas se trancavam.
Em direção à antiga casa, uma neblina nostálgica soprou.
Quebrando o silêncio e a paz, a porta arrombou.
Farchol sabia que a morte era esperada e sua irmã abraçou.
Choraram esperando seu irmão, seu assassino.

- Poupe nos Tholus! De nossas veias corre a mesma essência - dizia Farchol esperando clemência.
- Sempre algo ira faltar! Vocês não percebem? Todos mimando um monstro enquanto sofrem! Tu és um fraco meu irmão, para ser perfeito não á outro modo preciso  matar-te!

Os gritos se misturaram a cores rubras que a parede pintaram.
Marcas de uma incerteza sofrida, o abandono da vida.
De todo um tempo vazio, em um deserto sem Lua, apenas frio.
O vento prosseguia seu caminho prometido
Varrendo como poeira a bela cidade a toda encobriu.
Nada se sabe ao certo, mas o povo gosta de dizer.
Que se a criança morresse outra coisa não iria acontecer.

Viajantes procuraram a cidade perdida
Em busca de algo valioso
Mas agora só se encontra em ruínas, uma cidade insólida.
O que se tira é algo doloroso, e muito misterioso.
As lendas contam que em busca de perfeição
Um homem foi capaz de matar o próprio irmão
Mas sua obra nunca fora encontrada

Tudo culpa de uma flor imperfeita, uma pétala quebrada.

O beijo dado no lago

Saboreando meu reflexo.
N'alguma planície esma.
Sob o holofote luar.
E a mente a divagar.

Sou aquele ruido.
Resquício de algo.
Sem som aparente.
Apenas um sonho na mente.