Flores
no jardim
O vinho era barato, mas ajudava
Pedro a se concentrar no trabalho e esquecer os problemas de casa, a vida era
essa, entalhar e esculpir, era nisso que ele era bom e depois da morte de seu
filho pouco tinha restado. Camila sua esposa, sofria a seu modo e com seus
vícios, as doses de calmante e antidepressivo foram gradualmente aumentando,
assim como todo a atmosfera melancólica em sua casa.
Caminhou em direção de seu ateliê
quando ela o chamou – Preciso falar com você.
- Agora não posso – Disse Pedro.
- Porque você me trata sempre
assim? Chega e já corre para o barracão me deixando aqui sozinha a noite toda –
Disse Camila e correu para dentro com lágrimas nos olhos.
Pedro colocou a garrafa de vinho na
mesa e com um sopro de contrariedade seguiu sua esposa – Me desculpe eu só...
- Eu estou Gravida – falou enquanto
mostrava uma espécie de sorriso estranho.
- Isso é ótimo! – Se abraçaram e
tudo foi esquecido, todos os meses de solidão foram apagados devido uma nova
esperança – Mas você esta preparada?
Camila se afastou, deu uma volta e
pôs as mãos na mesa e de costas disse que não sabia, mas não podia mais viver
daquele jeito, ela estava muito só e precisava arriscar, seria a ultima vez e
daria certo, tinha que dar certo. Fazia anos que não que se sentiam tão vivos,
conversaram a noite toda e dormiram sem preocupações.
Na manhã seguinte tomaram café da
manhã juntos e depois de cuidar do jardim Camila disse que iria voltar a se
consultar com Dr Golbert e seu marido perguntou se ela tinha certeza do que
estava fazendo, mas ela disse precisava fazer isso pelo o Dudu que estava por
vir e com as duas mãos acariciando uma barriga que ainda estava pequena ela
seguiu de bicicleta para o centro da vila. Deixando para trás seu marido que
começava a suspeitar da sanidade de sua esposa, Dudu era seu filho, Eduardo tinha
ficado com eles por nove anos e faleceu devido uma terrível gripe, os dois
nunca se perdoaram e nunca aceitaram, Camila começou a tomar seus remédios e
Pedro por sua vez disse que não, mas varias garrafas começaram a aparecer. As
coisas pioraram quando a esposa não conseguiu segurar o segundo filho e na
gestação de cinco meses abortou e isso se seguiu por mais duas tentativas, eles
estavam arrasados e só melhoravam quando ela aparecia gravida de novo. Eram
seis meses de amor e mais seis meses do mais puro ambiente sombrio, primavera e
inverno apenas.
As suspeitas aumentaram
progressivamente, as ações de sua esposa estavam estranha, ela passava muito
tempo no jardim, local aonde ela não gostava que ele fosse.
- Você tem o seu barracão e eu
tenho meu jardim – Camila sempre dizia
- Mas eu adoro suas flores...
- E eu odeio suas esculturas –
Dizia a mulher – E tem que ser assim.
Os dois concordaram, sabiam que
precisavam de um espaço onde pudessem relaxar e não pensar na tristeza e na
solidão.
Os meses passaram e tudo parecia
correr bem até o dia em que Pedro chegou em casa e ouviu sua mulher que chorava
desesperadamente, ele tentou ir até ela mas não conseguiu.
- Sai daqui! – Gritou a esposa
- O que aconteceu?
- Sai daqui! – E jogou um vaso na
direção do esposo – depois a gente conversa.
Sem saber o que fazer e com medo de
que ela estivesse perdendo o controle, seguiu para o ateliê e ficou por lá, mas
a impaciência era demais, não podia fazer nada, ele tinha que conversar com
ela, porem foi em vão quando ele tentou avançar pelo jardim ela só olhou para
ele com uma cara terrivel, que ele deu meia volta e foi para a vila.
Bebeu, bebeu tudo o que aguentou e
esqueceu dos problemas por algumas horas e passou a noite apreciando as
estrelas. Quando começou a sentir frio voltou para casa e tinha até esquecido
da briga, quando foi se deitar e abraçou a esposa, ela gritou.
- Não toca em mim!
- Mas o que aconteceu? – O susto
clareou sua mente.
- Eu perdi o bebê.
- Amor você esta bem? – Ela não
respondeu e ele continuou – Tudo vai ficar bem...
Os olhos de Camila estavam vidrados
e ficaram assim até amanhecer e seu marido sair da cama, logo depois ela saiu e
foi para vila e Pedro esperou ela voltar, esperou e ninguém chegou, ficou tão
assustado e com medo de que ela fizesse algo que saiu a procura por sua esposa
que estava sumida, passou muitas horas nas florestas e desistiu, quando ele
voltou para casa e ouviu que sua mulher estava em casa e conversava com alguém,
sentiu um alivio, chegou mais perto e viu que ela estava sozinha e nem se
importava, continuava a falar como se alguém estivesse ali, Pedro continuou
olhando e ela parecia conversar com uma criança, ele sentiu um arrepio quando
sua esposa chamou a pessoa pelo nome de Dudu, pronto, agora tudo estava
perdido, ela estava completamente louca, o alivio tinha passado.
- Camila...
- Oi querido, tudo bem? – Perguntou
sua mulher como se nada tivesse acontecido
- Eu passei varias horas te
procurando...
- Jura? Eu passei na vila e vim pra
casa, não podia deixar o Dudu sozinho, desculpe te deixar preocupado, mas agora
tudo ficara bem, não é mesmo meu amor? – Disse Camila para alguém que não estava lá.
Ela poderia ter dito, mas nada
ficaria bem, muitas coisas começaram a acontecer na vila e tudo indicava que a
culpada era Camila. Primeiro o Dr Golbert sumiu e quando Pedro perguntou ela
disse que ainda se consultava com ele. Depois e muito perturbador a policia
local apareceu na casa deles dizendo que o túmulo de seu filho tinha sido
profanado e na hora Camila saiu correndo para o quarto, por sua vez Pedro ouviu
a história com horror e indignação.
Pedro estava sem chão, suspeitava
de sua mulher, mas o que poderia fazer? Ele ainda a amava e que vida teria fora
dali? Foi ai que ele teve a ideia de fazer a única coisa que poderia para ela.
- Meu amor, eu trouxe um presente
pra você – Disse Pedro mostrando um boneco de madeira, perfeitamente esculpido.
- Pedro, isso é lindo!
- Não era você que odiava minha
arte? – Falou sorrindo.
- Para de ser bobo, eu sempre
adorei e ainda mais agora que eles vão ser para mim.
- Eles? – Perguntou com duvida.
- Sim, você vai fazer todos os
nossos filhos não vai? Os quatro – Sem perceber que Pedro tinha quase caído no
chão, Camila continuou falando de como aquilo seria lindo, que agora seriam uma
família e tudo mais.
Começou a trabalhar em seu projeto,
não podia mais parar ele sabia que algo estava errado com aquele jardim e ele
não queria ser o próximo a ser enterrado lá, mas só de pensar no sorriso de
Camila, tudo valia a pena, lindo eram os meses que eram uma família. Trabalhou
meses até terminar todos os bonecos. Cada um com uma idade e o Eduardo, seu
primeiro filho já estava na faixa dos quinze, era quase um homem, como sua
esposa falava.
Tudo foi feito para ela, Pedro
tinha ficado de luto claro, mas aquilo não era real, eram presentes para
Camila, só que ela começou a evitar o marido, passava todo o tempo com os
bonecos e foram meses assim, tudo o que ele fez foi para nada? Não podia ser desse
jeito, aquela tamanha ingratidão e nem mesmo sorrir mais ela sorria para ele,
aquilo tinha que acabar. Pedro entrou
bêbado no barracão e pegou machado
- Me desculpe filho – Disse com lágrimas
nos olhos, no fundo ele queria que fosse verdade, queria ter filhos e ver sua
mulher sorrir.
- O que você esta fazendo pai? –
Disse uma voz estranha.
Paralisado por um momento, Pedro
não sabia o que fazer, em choque olhando para aquele boneco, aquele monstro que
dizia ser seu filho, correu e deixou o machado cair, precisava ver sua esposa,
e se tudo tinha sido planejado por aquela
coisa? Sua esposa poderia não ser louca estaria apenas sendo manipulada,
chegou ao quarto e contou que o monstro tinha falado com ele e a reação da
esposa foi espantosa, como ela poderia estar tão tranquila? Enquanto sua mulher
deitava de forma serena na cama de longe eles ouviram um barulho pesado se
movendo pela casa, som bizarro que parecia dizer – Me espera papai – Com tanta
ternura que fez seu pai tremer de medo.
Então a porta bateu explodindo na
parede, o Boneco tinha entrado com o machado na mão, disse que o pai havia
esquecido lá, perguntou o que ele ia fazer com aquilo, Camila indignada sentiu
uma fúria maternal – Você ia matar o meu filho! – Correu e pegou o machado - E
antes que Pedro tivesse a chance de dizer que ela estava sendo controlada por
aquele demônio, era tarde demais – Seu monstro! – Disse repetidas vezes até que
o velho já estava deitado no chão sem vida e o boneco não parava de rir,
achando tudo divertido.
- Esta noite você pode dormir aqui
comigo Dudu, amanhã temos que acordar cedo, vou te ensinar a cuidar do jardim,
papai esta com a gente agora.
A velha e solitária senhora viveu
lá com seus filhos por muitos anos, quando Camila morreu tentaram vender a
casa, mas nunca conseguiram, todos os moradores reclamavam que a casa rangia
demais sem motivo algum e principalmente pelo jardim, todos falaram que tinha um barulho estranho, lembrando vagamente o
choro de uma criança.