sexta-feira, 20 de março de 2015

Flores no Jardim

Flores no jardim

O vinho era barato, mas ajudava Pedro a se concentrar no trabalho e esquecer os problemas de casa, a vida era essa, entalhar e esculpir, era nisso que ele era bom e depois da morte de seu filho pouco tinha restado. Camila sua esposa, sofria a seu modo e com seus vícios, as doses de calmante e antidepressivo foram gradualmente aumentando, assim como todo a atmosfera melancólica em sua casa.
Caminhou em direção de seu ateliê quando ela o chamou – Preciso falar com você.
- Agora não posso – Disse Pedro.
- Porque você me trata sempre assim? Chega e já corre para o barracão me deixando aqui sozinha a noite toda – Disse Camila e correu para dentro com lágrimas nos olhos.
Pedro colocou a garrafa de vinho na mesa e com um sopro de contrariedade seguiu sua esposa – Me desculpe eu só...
- Eu estou Gravida – falou enquanto mostrava uma espécie de sorriso estranho.
- Isso é ótimo! – Se abraçaram e tudo foi esquecido, todos os meses de solidão foram apagados devido uma nova esperança – Mas você esta preparada?
Camila se afastou, deu uma volta e pôs as mãos na mesa e de costas disse que não sabia, mas não podia mais viver daquele jeito, ela estava muito só e precisava arriscar, seria a ultima vez e daria certo, tinha que dar certo. Fazia anos que não que se sentiam tão vivos, conversaram a noite toda e dormiram sem preocupações.
Na manhã seguinte tomaram café da manhã juntos e depois de cuidar do jardim Camila disse que iria voltar a se consultar com Dr Golbert e seu marido perguntou se ela tinha certeza do que estava fazendo, mas ela disse precisava fazer isso pelo o Dudu que estava por vir e com as duas mãos acariciando uma barriga que ainda estava pequena ela seguiu de bicicleta para o centro da vila. Deixando para trás seu marido que começava a suspeitar da sanidade de sua esposa, Dudu era seu filho, Eduardo tinha ficado com eles por nove anos e faleceu devido uma terrível gripe, os dois nunca se perdoaram e nunca aceitaram, Camila começou a tomar seus remédios e Pedro por sua vez disse que não, mas varias garrafas começaram a aparecer. As coisas pioraram quando a esposa não conseguiu segurar o segundo filho e na gestação de cinco meses abortou e isso se seguiu por mais duas tentativas, eles estavam arrasados e só melhoravam quando ela aparecia gravida de novo. Eram seis meses de amor e mais seis meses do mais puro ambiente sombrio, primavera e inverno apenas.
As suspeitas aumentaram progressivamente, as ações de sua esposa estavam estranha, ela passava muito tempo no jardim, local aonde ela não gostava que ele fosse.
- Você tem o seu barracão e eu tenho meu jardim – Camila sempre dizia
- Mas eu adoro suas flores...
- E eu odeio suas esculturas – Dizia a mulher – E tem que ser assim.
Os dois concordaram, sabiam que precisavam de um espaço onde pudessem relaxar e não pensar na tristeza e na solidão.
Os meses passaram e tudo parecia correr bem até o dia em que Pedro chegou em casa e ouviu sua mulher que chorava desesperadamente, ele tentou ir até ela mas não conseguiu.
- Sai daqui! – Gritou a esposa
- O que aconteceu?
- Sai daqui! – E jogou um vaso na direção do esposo – depois a gente conversa.
Sem saber o que fazer e com medo de que ela estivesse perdendo o controle, seguiu para o ateliê e ficou por lá, mas a impaciência era demais, não podia fazer nada, ele tinha que conversar com ela, porem foi em vão quando ele tentou avançar pelo jardim ela só olhou para ele com uma cara terrivel, que ele deu meia volta e foi para a vila.
Bebeu, bebeu tudo o que aguentou e esqueceu dos problemas por algumas horas e passou a noite apreciando as estrelas. Quando começou a sentir frio voltou para casa e tinha até esquecido da briga, quando foi se deitar e abraçou a esposa, ela gritou.
- Não toca em mim!
- Mas o que aconteceu? – O susto clareou sua mente.
- Eu perdi o bebê.
- Amor você esta bem? – Ela não respondeu e ele continuou – Tudo vai ficar bem...
Os olhos de Camila estavam vidrados e ficaram assim até amanhecer e seu marido sair da cama, logo depois ela saiu e foi para vila e Pedro esperou ela voltar, esperou e ninguém chegou, ficou tão assustado e com medo de que ela fizesse algo que saiu a procura por sua esposa que estava sumida, passou muitas horas nas florestas e desistiu, quando ele voltou para casa e ouviu que sua mulher estava em casa e conversava com alguém, sentiu um alivio, chegou mais perto e viu que ela estava sozinha e nem se importava, continuava a falar como se alguém estivesse ali, Pedro continuou olhando e ela parecia conversar com uma criança, ele sentiu um arrepio quando sua esposa chamou a pessoa pelo nome de Dudu, pronto, agora tudo estava perdido, ela estava completamente louca, o alivio tinha passado.
- Camila...
- Oi querido, tudo bem? – Perguntou sua mulher como se nada tivesse acontecido
- Eu passei varias horas te procurando...
- Jura? Eu passei na vila e vim pra casa, não podia deixar o Dudu sozinho, desculpe te deixar preocupado, mas agora tudo ficara bem, não é mesmo meu amor? – Disse Camila para alguém que não estava lá.
Ela poderia ter dito, mas nada ficaria bem, muitas coisas começaram a acontecer na vila e tudo indicava que a culpada era Camila. Primeiro o Dr Golbert sumiu e quando Pedro perguntou ela disse que ainda se consultava com ele. Depois e muito perturbador a policia local apareceu na casa deles dizendo que o túmulo de seu filho tinha sido profanado e na hora Camila saiu correndo para o quarto, por sua vez Pedro ouviu a história com horror e indignação.
Pedro estava sem chão, suspeitava de sua mulher, mas o que poderia fazer? Ele ainda a amava e que vida teria fora dali? Foi ai que ele teve a ideia de fazer a única coisa que poderia para ela.
- Meu amor, eu trouxe um presente pra você – Disse Pedro mostrando um boneco de madeira, perfeitamente esculpido.
- Pedro, isso é lindo!
- Não era você que odiava minha arte? – Falou sorrindo.
- Para de ser bobo, eu sempre adorei e ainda mais agora que eles vão ser para mim.
- Eles? – Perguntou com duvida.
- Sim, você vai fazer todos os nossos filhos não vai? Os quatro – Sem perceber que Pedro tinha quase caído no chão, Camila continuou falando de como aquilo seria lindo, que agora seriam uma família e tudo mais.
Começou a trabalhar em seu projeto, não podia mais parar ele sabia que algo estava errado com aquele jardim e ele não queria ser o próximo a ser enterrado lá, mas só de pensar no sorriso de Camila, tudo valia a pena, lindo eram os meses que eram uma família. Trabalhou meses até terminar todos os bonecos. Cada um com uma idade e o Eduardo, seu primeiro filho já estava na faixa dos quinze, era quase um homem, como sua esposa falava.
Tudo foi feito para ela, Pedro tinha ficado de luto claro, mas aquilo não era real, eram presentes para Camila, só que ela começou a evitar o marido, passava todo o tempo com os bonecos e foram meses assim, tudo o que ele fez foi para nada? Não podia ser desse jeito, aquela tamanha ingratidão e nem mesmo sorrir mais ela sorria para ele, aquilo tinha que acabar. Pedro entrou bêbado no barracão e pegou  machado
- Me desculpe filho – Disse com lágrimas nos olhos, no fundo ele queria que fosse verdade, queria ter filhos e ver sua mulher sorrir.
- O que você esta fazendo pai? – Disse uma voz estranha.
Paralisado por um momento, Pedro não sabia o que fazer, em choque olhando para aquele boneco, aquele monstro que dizia ser seu filho, correu e deixou o machado cair, precisava ver sua esposa, e se tudo tinha sido planejado por aquela coisa? Sua esposa poderia não ser louca estaria apenas sendo manipulada, chegou ao quarto e contou que o monstro tinha falado com ele e a reação da esposa foi espantosa, como ela poderia estar tão tranquila? Enquanto sua mulher deitava de forma serena na cama de longe eles ouviram um barulho pesado se movendo pela casa, som bizarro que parecia dizer – Me espera papai – Com tanta ternura que fez seu pai tremer de medo.
Então a porta bateu explodindo na parede, o Boneco tinha entrado com o machado na mão, disse que o pai havia esquecido lá, perguntou o que ele ia fazer com aquilo, Camila indignada sentiu uma fúria maternal – Você ia matar o meu filho! – Correu e pegou o machado - E antes que Pedro tivesse a chance de dizer que ela estava sendo controlada por aquele demônio, era tarde demais – Seu monstro! – Disse repetidas vezes até que o velho já estava deitado no chão sem vida e o boneco não parava de rir, achando tudo divertido.
- Esta noite você pode dormir aqui comigo Dudu, amanhã temos que acordar cedo, vou te ensinar a cuidar do jardim, papai esta com a gente agora.

A velha e solitária senhora viveu lá com seus filhos por muitos anos, quando Camila morreu tentaram vender a casa, mas nunca conseguiram, todos os moradores reclamavam que a casa rangia demais sem motivo algum e principalmente pelo jardim, todos falaram que tinha um barulho estranho, lembrando vagamente o choro de uma criança.

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