Um abismo define minha localidade
atual, vazio e tortuoso é este pequeno espaço. A falta de gravidade só
intensifica a vontade de desistir e deixar de existir, de tocar um solo, tocar
qualquer coisa! De firmar meus pés e poder relaxar, há muito tempo não sinto a
reconfortante sensação de abrir os olhos e podem levantar.
Sinto que este pesadelo não terá fim, uma vez
que foram me proferidas palavras infundadas, digo isso porque estou preso em um
sonho... Que não é mais meu.
Para explicar como cheguei a tão distante
e terrível território, preciso começar a contar como naveguei até lá e como
pude fazê-lo. Desde muito jovem eu fui admirado pelo mundo dos sonhos e como
ele me transportava para o desconhecido, um local mutável e fantástico. Este
era meu barco e com ele eu voava e realmente muitas vezes consegui voar!
Nunca tive problema com pesadelos,
eu até os achava divertido – em sua maioria - Monstros eram sempre banais e
quando hordas de criaturas me atacavam e desmembravam meu corpo, eu ainda tinha
uma cabeça falante, pelo menos por alguns minutos, depois estava em outro lugar
e feliz por ter meu corpo de volta. Existia outro tipo de pesadelo, aquele em
que você não conseguia se mexer, esses eram realmente terríveis! Aquela
sensação de fragilidade de sentir seu corpo encolher e ser totalmente
vulnerável a um ataque. Nesse caso, eu pedia para acordar desesperadamente,
porque correr não seria suficiente.
Foi assim com o tempo eu comecei a
perceber que eu sabia que eu estava dormindo, eu tinha consciência disso! E se
eu soubesse dentro do sonho... O que eu seria capaz de fazer?
Eu me recordo da primeira vez em
que eu percebi que estava dormindo,
foi um choque e eu fiz muita coisa que eu tinha vontade, entrei em vários
lugares, comi muita coisa, peguei dinheiro e fiz algumas coisas ilegais e
inapropriadas que me levaram a um sentimento de culpa e de duvida, tanto que eu
duvidei se era realmente um sonho e não a vida real, nesse ponto eu estava na
cadeia suplicando para acordar e felizmente foi o que aconteceu. Eu descobri
que precisava de sinais, não podia
simplesmente fazer qualquer coisa sem ter certeza do que eu estava fazendo. Olhar
minha própria mão, olhar meu rosto em um espelho foram as medidas adotadas e
deram certo. Comecei a construir meus sonhos, eles ficaram mais elaborados,
eram quase como filmes eu podia fazer o que eu quisesse, foi uma fase incrível
e eu queria mais, eu comecei a ler sobre o assunto e vi que todo mundo sonhava,
só que algumas pessoas não se lembravam de tê-lo feito. Se todos sonham e algumas
conseguem saber que estão sonhando... Será que as pessoas poderiam se encontrar
nos sonhos? Eu fiz um teste e foi um desastre, chegar a uma pessoa e dizer que
ela esta dormindo não é tão fácil como parece, é insano. Com o tempo eu comecei
a mostrar poderes especiais para ter credibilidade e uma vez eu consegui,
acreditaram em mim, agora era hora do segundo passo e este era um pouco mais
complicado, perguntar para uma pessoa se ela era real... Foi o ápice do absurdo
da minha vida. Depois que a pessoa confirma que ela é real – claro que a pessoa
faria isso – Vocês confrontam os universos, para ver se ela não é apenas algo
criado em seu sonho e perguntar “Como podemos nos encontrar na vida real?” Sem
estar preparado seria outra missão impossível. Numero de telefone não da certo,
tentei passar meu e-mail e acordei no meio, fiquei puto! Confesso que olhei o
e-mail por uma semana, com esperança. Na segunda vez eu estava preparado e
passei o meu nome no facebook, ele é fácil de decorar e global, a pessoa me passou
o dela também. O problema é que ninguém me adicionou e a pessoa tinha um nome
comum, eu pensei duas vezes antes de desistir, mas o que poderia fazer?
Perguntar para varias pessoas se elas tinham sonhado comigo na noite passada?
Foi na terceira vez que tudo mudou,
eu sonhei com uma pessoa que eu estudava junto, ai foi fácil se comunicar e no
outro dia quando nos olhamos foi uma sensação muito estranha, de ir além do
conhecido e do possível. Quando finalmente fui falar com ele, sua reação foi
totalmente inesperada ele olhou pra mim e disse – Cara, isso foi à coisa mais
louca que já aconteceu comigo – Na hora a gente riu muito e quando perguntaram
qual era a graça, foi meio estranho contar, confesso que estava com medo da
reação, mas todos reagiram super bem e queriam tentar também o que tornou tudo
mais interessante. Nas primeiras semanas não conseguimos nada e resolvemos
ampliar o grupo e como estava perto da feira de ciências, falamos com o
professor e ele achou a historia um pouco estranha, mas seria interessante
analisar o consciente coletivo e se isso de alguma forma pudesse interferir em
nossos sonhos. Montamos cartazes e convocamos todos para fazer o teste, que era
muito simples e todos podiam fazer, era apena se imaginar indo para a escola –
No começo reclamaram porque ninguém queria voltar para lá – Por fim aceitaram,
a imagem da escola e a sensação de estar no lugar era forte o suficiente para
criar essa conexão e estavam certos, na primeira semana eu tinha conseguido
sonhar com algumas pessoas e até mesmo com professores – O que eu confesso ter
sido bem esquisito – O estranho foi descobrir que apenas eu conseguia sonhar
com as pessoas, não sabiam o motivo, talvez eu tinha uma facilidade de
“convidar” pessoas para meus sonhos ou apenas eu saia por ai invadindo sonhos
alheios. Não chegaram a uma conclusão, mas com o tempo foi aumentando e várias
pessoas começaram a aparecer e foi uma febre, tanto que o jornal local fez uma
entrevista comigo e eu me senti uma aberração, principalmente quando as pessoas
começaram a bombardear meu facebook de mensagens perguntando como eu podia
fazer aquilo e eu não sabia o que responder.
Em pouco tempo eu já tinha sonhado
com muita gente, com algumas era bem rápido e outras vezes a gente ficava “horas”
voando pelo espaço! Estava muito divertido, eu nunca tinha ficado tão ansioso
para dormir e de certo modo fazer novos amigos. Foi ai que algumas coisas
mudaram, o primeiro caso, do que veio a ser chamado de a síndrome do pesadelo
aconteceu e todo mundo ficou com medo. Em poucos dias, algumas pessoas
simplesmente não acordaram mais, estavam aparentando um estranho caso de coma o
que se revelou um mistério. As pessoas estavam com medo de dormir e se privaram
de sono, mas poucos conseguiam, elas precisavam dormir e cada vez mais as
pessoas deixavam de acordar o que se tornou um caos, um pesadelo real. Não
tinha como não relacionar a síndrome ao atual “entretenimento”, de alguma forma
as pessoas dormiam e não acordavam mais e começaram a me culpar por isso, pessoas
ao meu redor tinham raiva e medo de mim, eu sentia que alguns queriam me bater,
deveriam conhecer alguém que estava em coma, mas ao mesmo tempo eles tinham
receio de me agredir e acontecer algo com eles. Como eu poderia fazer isso?
Comecei a duvidar de mim mesmo, poderia eu estar fazendo algo assim? Se elas
estão entrando em meus sonhos e não conseguindo mais sair? Fiquei em choque com
a possibilidade e desejei nunca mais dormir, mas o mal já estava feito e eu
tinha que fazer algo, trazê-las de volta ou... Achar o responsável.
Quando adormeci eu achei que
ninguém iria me procurar, mas muitos ainda estavam lá, perguntei se eles não
tinham medo de mim e o que eles responderam me deu uma angustia e desolamento,
perguntaram se eles não podiam ficar no meu sonho, tudo aqui era perfeito, tão
diferente da vida que eles viviam.
- Não! Não sou eu que estou fazendo
isso, e por que iriam querer viver uma não realidade enquanto tudo na vida era
uma nova possibilidade de ser feliz – Me ignoraram, não pareciam felizes,
estavam vazios, tinham perdido a esperança.
- Por favor, deixe nos ficar, não
temos nada lá, nosso grupo é grande e resolvemos ficar.
Foi nessa hora que eu vi que mais e
mais apareciam, eles pareciam estar destinados a ficar dentro de um sonho, onde
me falaram que tudo era possível. Desisti e pedi para acordar, por sorte
consegui.
No outro dia quando acordei me
passaram um vídeo de uma garota dizendo que tinha sonhado “comigo”, estava ela e um amigo, ela disse que “eu” cheguei para o amigo dela e
perguntei se ele queria viver em um mundo perfeito, ele disse que sim e
desapareceu, na hora ela sentiu medo e lembrou do que estava acontecendo e o
que aquilo realmente significava, ela conseguiu correr e acordou, seu amigo não teve
a mesma sorte... Pronto pensei, agora eu to ferrado, vão tacar foco na minha
casa! As pessoas estão com medo e elas farão o que for preciso para se livrar
desse mal e eu preciso fazer o mesmo, antes que não possa mais.
Eu não estava mais saindo de casa,
eu simplesmente não podia, e para que? Se até mesmo minha família começava a
ter medo, mesmo eu dizendo que não estava fazendo aquilo, eu precisava voltar
lá, alguém estava se passando por mim e se eu comecei, iria terminar.
Quando adormeci nem tentei
conversar com as pessoas que imploravam para ficar, as pessoas estavam
divididas em dois grupos, os que tinham medo de dormir e os que tinham medo de
acordar. Como eles podiam desejar essa falsa realidade, com prazeres fúteis? Compreensível
em nossa atual sociedade pessimista e depressiva, onde a nova esperança era ser
escolhida para viver em um mundo perfeito, bem longe daquele que ela tinha
nascido, ela renasceria, sendo quem ela quisesse e aonde desejasse, mesmo não
sendo necessariamente real. Avancei no sonho, passei pelo limite do conhecido,
adentrei por uma fenda obscura e logo comecei a sentir aquilo, impossível descrever com palavras a sensação horrível que
me foi despejada era como se sua alma tivesse sido drenada e o resto do seu
corpo agora oco, esmagado.
Prossegui! Todas minhas lembranças
foram arrancadas uma por uma, esqueci o rosto de amigos e até mesmo o nome de
minha mãe... Prossegui e sem mais forças cai e foi então que tudo apagou e eu
pude ver um rosto que não era mais meu, sem abrir os lábios apenas me disse –
Por sua determinação, tudo ficará bem agora, tudo será perfeito quando você acordar, eu lhe prometo.
De repente eu pude abrir os olhos e
sentir a claridade foi um renascimento, apalpei minha coberta e foi como um
beijo apaixonado foi tão puro e macio.
Pus os pés no chão e senti todas as
vibrações de meu corpo, meu coração acelerava a cada nova emoção descoberta.
Corri para a sala encontrar meus pais, queria contar as boas noticias de que
tudo ficaria bem, tinha acabado o pesadelo, todos voltariam do coma, mas não
tinha ninguém em casa, estranhei, mas segui em direção à porta, queria ver
alguém, qualquer um que fosse eu simplesmente precisava disso, porem ninguém
estava na rua, ninguém estaria mais lá... Nunca mais, ajoelhei no chão e me esbaldei
em uma gargalhada que poderia ter sido ouvida por quilômetros e então entendi o
que me foi dito, tudo ficaria bem quando eu acordasse... Quando eu acordasse...